domingo, 7 de agosto de 2011

PARA MELHOR ENTENDER BLAU E RADICCI

Os discursos e sistemas de representação permitem a instalação de pontos de apoio que dão às pessoas um lugar de onde possam se posicionar e falar. A partir deles produzimos significados para dar sentido à nossa história de vida, além de abrir oportunidades para construir o que somos ou o que podemos vir a ser. As representações, como processo cultural, podem criar identidades individuais e coletivas, sendo que os sistemas simbólicos tratam de responder indagações sobre quem somos, o que queremos ser, o que poderíamos ser.

Castigar os costumes - diferentes! - por meio do riso é uma prática reconhecida em todos os lugares em que grupos humanos de culturas diversas dividem os mesmos espaços sociais. Ao menos é isso o que se pode deduzir ao ler o que Alan Dundes observa em “Cracking Jokes” (1987) a respeito de comparações feitas por diferentes povos sobre etnicidade e caráter nacional. Diz ele que o estudo das ofensas tradicionais envolve vários elementos, como estereótipos, tipos nacionais, etnocentrismo, imaginário, preconceito e humor. Além disso, se é verdade que onde há ansiedade também haverá piadas para expressá-la, parece estar formado um caldo de cultura para se tentar compreender um pouco a respeito do riso que um grupo étnico lança sobre outro. Por exemplo, usa-se dizer que alemão é belicoso e gosta de fazer guerra, mas isso não quer dizer que todo alemão seja belicoso ou goste de fazer guerra. Ou que italiano é barulhento e pão-duro, embora se saiba que nem todo italiano seja barulhento e pão-duro. Talvez aqui seja possível buscar sinais que iluminem o processo do riso acionado pelas tiras de Radicci (Zero Hora – Porto Alegre) e Blau (De Fatto – Novo Hamburgo).

Como foi colocado, as piadas étnicas são construídas, entre outros elementos, pelo preconceito e o estereótipo. Talvez estes dois aspectos sejam os mais relevantes para se tentar um comentário esclarecedor. Se o preconceito for uma opinião formada sem exame crítico, elaborado de antemão a partir de certas circunstâncias, aparências ou até pela educação, possivelmente causará dano ao ser manifestado, pois estará expondo uma distorção. A essa distorção poderia-se chamar estereótipo, que usa ser designado, também, como conceito padronizado sobre pessoas, povos, raças, ideologias... É como se o estereótipo configurasse um clichê. A partir dele, os diferentes grupos em contato começarão a elaborar ofensas, trocadilhos, anedotas - e cartuns ou tiras cômicas, por que não? - uns sobre os outros para exprimir seus desagrados ou apontar focos de tensão.

Nos casos de Blau e Radicci, os próprios autores – os cartunistas Bier e Iotti - pertencem às etnias representadas pelos personagens. Mas isso não significa que não tenham incorporado estereótipos nominados a partir dos outros grupos étnicos do estado. E, mais ainda, que não tenham aprendido a rir de si mesmos apropriando-se dos estereótipos alheios anteriormente usados para ofender, talvez numa tentativa de se fazerem melhor compreendidos e mais bem sucedidos no desenlace das piadas que desenham. Dundes lembra que a distinção entre o que as pessoas dizem sobre outros grupos e o que elas dizem sobre si mesmas é crítica. Mas a auto-imagem não está mais livre da influência do estereótipo do que as imagens tradicionais de outros grupos. Isto quer dizer que a especulação aqui feita sobre os autores e personagens pode ter fundamento.

Além disso, talvez não seja equivocado afirmar que o insulto contido numa piada seja o sinal mais claro de diferença entre dois grupos, pois assim se identificam e se reconhecem um frente ao outro. Isto é, quanto mais riem uns dos outros, melhor se integram ao mosaico étnico sul-rio-grandense.

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Extraído da Dissertação de Mestrado O DESENHO DE HUMOR NO RESGATE DA IDENTIDADE CULTURAL - Análise de personagens étnicos em um semanário gaúcho, de
Augusto Franke BIER